Documentário homenageia a força de Wadja, educadora indígena que revolucionou o ensino da língua do seu povo
A trajetória da educadora indígena Marilena Araújo, conhecida como Wadja, é tema de um documentário que será exibido no dia 24 de maio, às 14h, no Cinema São Luiz, encerrando a programação da segunda edição do VerOuvindo Circula. O evento é uma derivação do pioneiro e premiado VerOuvindo: Festival de Filmes com Acessibilidade Comunicacional do Recife. Intitulado com o nome social da protagonista, o filme "Wadja" retrata a importância dessa professora na criação da Escola Bilíngue Antônio José Moreira, voltada à educação do povo Fulni-ô, e sua dedicação à preservação da língua Yaathe. Dirigido por Narriman Kauane e produzido por Tayho, o curta é uma homenagem à força de uma mulher à frente do seu tempo — e também um grito por mais espaço e representatividade das vozes indígenas no cinema brasileiro.
A ideia do documentário nasceu da própria Wadja. Foi ela quem procurou Tayho para propor um filme biográfico, centrado em sua vida, seus documentos e sua atuação como educadora. Durante cerca de um ano, produtor e personagem trocaram ideias, enquanto o roteiro era gestado e a proposta era submetida a editais públicos. Mas, antes que os recursos fossem liberados, Wadja faleceu. “Tivemos que mudar todo o plano de filmagem”, relembra Tayho, que enfrentou o luto enquanto reconstruía o caminho narrativo da obra. O resultado foi uma combinação sensível entre material de arquivo, entrevistas e memória viva.
“Resgatamos todos os arquivos dela - registros, documentos, fitas cassete - para construir uma obra biográfica que preservasse sua memória. Também não deixamos de lado as entrevistas com pessoas que ela mesma havia indicado em vida para participar do documentário”, explica. Ao longo do processo, o que mais impressionou Tayho foi a postura determinada e visionária da protagonista. “Ela costumava dizer que era audaciosa. Acredito que só projetamos nossos desejos quando nos sentimos, de alguma forma, representadas. Wadja foi isso: uma mulher determinada, inteligente, decidida e autêntica”, conta.
Para Tayho, Wadja não só abriu caminhos na educação, como também inspirou novas lideranças femininas indígenas. A presença da língua Yaathe na narrativa — falada livremente por entrevistados que se sentiam confortáveis — também é um gesto de afirmação e resistência. “Sendo uma língua ameaçada, buscamos sempre preservar sua presença, pois é uma forma de fortalecer e perpetuar nossa comunicação originária.”
Além de contar uma história potente, o documentário chega ao VerOuvindo Circula com acessibilidade completa: audiodescrição, Libras e legendas descritivas. “Conhecemos o tema da acessibilidade por meio do Festival VerOuvindo, há uns três anos. Na época, eles traduziram um dos nossos filmes para exibição. Desde então, passamos a incluir a acessibilidade em nossos projetos. Hoje, não faz mais sentido pensar em democratização do cinema sem incluir as pessoas com deficiência”, afirma o produtor. Para ele, acessibilidade é liberdade: a liberdade de estar, de acessar, de integrar.”
Segundo Liliana Tavares, idealizadora e produtora executiva do VerOuvindo Circula, a sessão de "Wadja" representa muito mais do que o encerramento da programação: é um gesto de escuta, reparação e reconhecimento. “Estamos viabilizando a ida ao Cinema São Luiz dos indígenas que participaram do filme para que possam assistir ao curta feito por eles e sobre eles. Vai ser a primeira vez deles no nosso templo do cinema. Isso tem um valor simbólico e afetivo imenso”, afirma.
Além disso, o VerOuvindo Circula está convidando a comunidade surda para assistir ao filme e participar de um bate-papo pós sessão sobre o reconhecimento e o fortalecimento de uma língua, uma problemática enfrentada também por essa comunidade com a Língua Brasileira de Sinais (Libras). A exibição de "Wadja" fomenta a expectativa é de uma sessão emocionante, marcada por trocas genuínas e pela força das narrativas dos povos originários. “A expectativa desse encontro presencial entre os fazedores de acessibilidade e os produtores indígenas, proporcionado pelo audiovisual, promete gerar energia transformadora. A presença deles ali reconfigura os espaços e ressignifica as telas”, completa Liliana.
Indígena como Wadja, Tayho acredita que narrativas originárias devem ser contadas por quem as vive. “Demarcar telas é tão importante quanto demarcar territórios: são nossos rostos, nossas lutas, nossas histórias sendo projetadas nas telonas do cinema”, afirma. Segundo ele, o audiovisual indígena traz novas formas de contar, olhar e sentir. O documentário, mais que um tributo à memória de uma mulher forte, é também o início de um sonho pessoal: “Sempre sonhei em fazer algo para o meu povo. Imaginei que começar fazendo um filme sobre alguém que tanto me inspirou - como mulher e defensora das causas indígenas - seria um bom começo.”
Por fim, Tayho compartilha uma das frases mais marcantes ditas por Wadja, pouco antes de morrer: “Inteligente é aquele que cria e compartilha o que cria. Que repassa. Para mim, isso é inteligência. Não aquele que guarda tudo só para si. De nada adianta essa inteligência.” É essa a semente que o filme planta — e que o VerOuvindo Circula ajuda a regar: a de compartilhar saberes, construir pontes e cultivar futuros mais coletivos.
O VerOuvindo Circula 2 é realizado pela Com Acessibilidade Comunicacional, incentivado pela Política Nacional Aldir Blanc, do Ministério da Cultura, Governo Federal, por meio do Governo do Estado de Pernambuco, PNAB-PE.
Serviço:
2° VerOuvindo Circula - de 19 a 24 de maio
Filme: Eu quero ir - Pablo Polo
Locais:
Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco - ABERTO AO PÚBLICO
Endereço: R. João Líra, s/n - Santo Amaro
Data: 19 de maio, às 14h
CAEER - Centro de Atendimento Educacional Especializado do Recife
Data: 20 de maio, às 14h
Data: 20 de maio, às 14h
Escola Municipal Engenho do Meio
Data: 21 de maio, às 14h
Data: 21 de maio, às 14h
Colégio Waldemar de Oliveira, a Escola Sylvio Rabello e a Escola Sizenando Silveira
Data: 22 de maio
Data: 22 de maio
Compaz Ariano Suassuna - ABERTO AO PÚBLICO
Endereço: Av. Gen. San Martin, 1208 - Cordeiro, Recife - PE, 52171-011
Data: 23 de maio, às 14h
Endereço: Av. Gen. San Martin, 1208 - Cordeiro, Recife - PE, 52171-011
Data: 23 de maio, às 14h
Filme: Wadja – Narriman Kauane
Cinema São Luiz – ABERTO AO PÚBLICO
Endereço: Rua da Aurora, 175 - Boa Vista
Data: 24 de maio, às 14h
Cinema São Luiz – ABERTO AO PÚBLICO
Endereço: Rua da Aurora, 175 - Boa Vista
Data: 24 de maio, às 14h
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Cultura
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